quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

(Lição 11) Religião e uso de drogas por adolescentes

Pesquisas revelam que utilizam significativamente menos álcool e drogas os grupos de estudantes protestantes pertencentes a denominações mais conservadoras (protestantes históricos e pentecostais).


Muitos estudos, realizados em diferentes contextos socioculturais, demonstram que em populações de estudantes adolescentes e jovens verifica-se a associação entre não ter religião (ou pertencer a denominações mais liberais), ter pouca crença religiosa, não frequentar igreja e cultos e maior uso de álcool e drogas.

Em nosso país, o mais amplo estudo que inclui o tema religião e uso de drogas em adolescentes foi realizado em 1992. Este estudo incluiu 16.117 estudantes de primeiro e segundo graus, de quinze cidades brasileiras, mostrando uma correlação negativa fraca, mas constante, entre consumo de álcool e drogas e frequência de atividades religiosas. Os jovens praticantes de atividades religiosas tendiam, dessa forma, a um menor uso de álcool e drogas.

Borini e colaboradores, em 1994, estudando 322 estudantes de medicina em Marília, SP, verificou que a prevalência do uso de álcool (incluindo bebedores discretos, moderados e excessivos) era significativamente menor entre os protestantes (50%) em relação aos católicos (75,2%), espíritas (75,0%) e ateus (94,5%). Ele também não detectou, nessa amostra, bebedores excessivos entre os protestantes e os espíritas.

Com uma população bem maior, o estudo de Queiroz incluiu 2.564 estudantes universitários de 21 cursos da USP e utilizou uma análise de regressão logística. Este estudo revelou uma associação entre maior uso de drogas e não ter uma religião.

Mais recentemente, Kerr-Corrêa e colaboradores, em 2002, realizaram um levantamento com 11.876 estudantes (11.382 universitários e 624 secundários) do Estado de São Paulo. Através de análise de regressão logística, os autores identificaram que, entre os estudantes secundaristas, o uso excessivo de álcool relacionou-se a não praticar religião. Entre os estudantes universitários, o uso de maconha associou-se a não ter religião e o uso de solventes a não praticar religião. Analisando os resultados como um todo, os autores concluem que o uso de álcool e drogas é modulado por normas, valores e práticas grupais, tanto do grupo familiar como de grupos extrafamiliares (amigos, religião, etc).

Os dados da presente pesquisa, assim como outros estudos, revelam que utilizam significativamente menos álcool e drogas os grupos de estudantes protestantes pertencentes a denominações mais conservadoras. Tais grupos (nos EUA, protestantes conservadores e, no Brasil, protestantes históricos e pentecostais) condenam o uso de álcool e drogas de forma mais clara e explícita do que os grupos mais liberais (nos EUA, protestantes liberais e católicos; e no Brasil, católicos e espíritas), entre os quais a condenação não é tão enfatizada.

Bock e colaboradores, ao analisarem os dados do senso norte-americano de 1972 a 1980 para pessoas não institucionalizadas com mais de 18 anos, verificaram que o impacto inibidor da religião sobre o uso e abuso de álcool é progressivamente maior naqueles grupos religiosos que explicitamente condenam tal uso. Nesta linha, dois trabalhos recentes identificaram, em amostras extensas e com métodos epidemiológicos rigorosos, a associação entre pertencer a grupos religiosos conservadores, assim como ter maior devoção religiosa pessoal, e utilizar menos e ter menos dependência ao álcool e outras drogas.

Desta forma, nossos resultados, assim como os estudos mencionados, apontam para uma possível maior influência de uma religiosidade internalizada, com normas, valores e proibições ancoradas na subjetividade do adolescente, dimensão esta possivelmente mais importante do que o simples frequentar uma determinada denominação. Estudos futuros deverão investigar mais profundamente essa possibilidade.
Em conclusão, gostaríamos de lembrar que, ao se aderir a uma denominação religiosa e envolver-se com padrões de religiosidade, adere-se a um conjunto de valores, símbolos, comportamentos e práticas sociais, enfim, adere-se a um amplo e complexo ethos religioso que inclui, entre outras coisas, a aceitação ou recusa ao uso de álcool e drogas.

RESULTADOS: O uso pesado de pelo menos uma droga foi maior entre os estudantes que tiveram educação na infância sem religião. O uso no mês de cocaína e de "medicamentos para dar barato" foi maior nos estudantes que não tinham religião. O uso no mês de ecstasy e de "medicamentos para dar barato" foi maior nos estudantes que não tiveram educação religiosa na infância.

CONCLUSÕES: Várias dimensões da religiosidade relacionam-se com o uso de drogas por adolescentes, com possível efeito inibidor. Particularmente interessante foi que uma maior educação religiosa na infância mostrou-se marcadamente importante em tal possível inibição.

Autores:
Paulo Dalgalarrondo
Meire Aparecida Soldera
Heleno Rodrigues Corrêa Filho
Cleide Aparecida M. Silva

Extraído e resumido de:

Original em:
Revista Brasileira de Psiquiatria, vol.26, n.2 – São Paulo, junho/2004

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