quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

(Lição 12) Anorexia nervosa e bulimia

O que são, como se manifestam e quais as diferenças entre essas doenças cada vez mais comuns entre as adolescentes.
Entrevista
Dr. Drauzio Varella entrevista Dr. Táki Cordás, médico psiquiatra e professor de Psiquiatria na Universidade de São Paulo.


Antigamente, um pouco de gordura no corpo era sinal de saúde. Aí veio a medicina dizendo que não há vantagem nenhuma em acumular tecido adiposo; ao contrário, que todos devemos ser magros.

Ao lado dessa recomendação médica, a pressão social do padrão de beleza que se baseia em modelos bonitas e absolutamente magras, sem um grama de gordura no corpo, tiranizou a vida de muita gente. Hoje, a quantidade de pessoas que luta para perder peso, faz dietas e toma remédios é enorme.

Essa preocupação exagerada pode provocar um distúrbio psiquiátrico grave, cada vez mais frequente, que é a distorção da autoimagem. A pessoa se olha no espelho e vê uma figura obesa que não corresponde à realidade. Não nota a perda de gordura subcutânea nem os ossos proeminentes. Iludida por essa falsa imagem, imagina-se com excesso de peso e diminui obsessivamente a ingestão de alimentos até que, num dado momento, não consegue comer mais. Como consequência, pode desenvolver problemas graves de saúde que chegam, às vezes, a ser fatais.

A anorexia nervosa se manifesta especialmente nas mulheres, embora sua incidência esteja aumentando também nos homens.

Drauzio – Estamos vivendo uma epidemia de anorexia nervosa ou esses casos sempre existiram, mas não eram diagnosticados?
Táki Cordás – É muito antigo o registro de histórias de pessoas com bulimia e anorexia nervosas. Sabe-se que, desde a Antiguidade, algumas faziam jejum ou vomitavam várias vezes por dia para emagrecer ou manter o peso que julgavam ideal.
Não resta dúvida de que essa tendência assumiu características assustadoras de 1950/1960 para cá. A pressão pela magreza absoluta aumentou o número de portadores dessas patologias. Cada vez mais gente, que não apresenta motivo algum para fazer dieta, restringe a alimentação de forma drástica. No Brasil, a situação agrava-se porque, infelizmente, é fácil obter moderadores de apetite ou hormônios tiroidianos.

Drauzio – Essa perda de peso assustadora reflete uma grande modificação no organismo. Quais são os órgãos que mais sofrem com essa privação de alimentos?
Táki Cordás – A primeira alteração aparece na pele e nos pêlos. A pele fica extremamente seca e coberta por lanugo, pêlos que se parecem com barba de milho. Essas moças apresentam também amenorréia, isto é, deixam de menstruar e sofrem uma regressão nas características femininas. Os seios e os grandes lábios praticamente desaparecem.
No que se refere à menstruação, quanto mais tempo ela estiver ausente, maior dificuldade a mulher encontrará para engravidar e caso o consiga, o que é raro, maiores dificuldades encontrará durante o parto. No entanto, a osteoporose pode ser considerada a manifestação mais grave da doença. Fraturas podem ocorrer espontaneamente. A pessoa está andando e cai porque um osso se quebrou sem ter sofrido nenhum traumatismo direto.
Além disso, alterações intestinais e cardíacas importantes são frequentes, porque muitas anoréxicas não só deixam de comer adequadamente como passam a usar laxantes e diuréticos. Como se sabe, o diurético provoca uma queda de potássio, elemento fundamental para o bom funcionamento do coração. Sua ausência pode causar morte por arritmia ou parada cardíaca. Associado aos laxantes, o diurético aumenta a perda de água do organismo o que pode causar desidratação e insuficiência renal. No Hospital das Clínicas, há pacientes obrigados a fazer hemodiálise porque perderam um rim por causa da desidratação.
Curioso é que muitas dessas mulheres transportam esse padrão de comportamento alimentar para os filhos e proíbem as crianças de irem a festinhas para evitar a tentação de comer um brigadeiro. Essas mães anoréxicas começam a restringir a dieta das crianças desde cedo e criam filhos desnutridos. As coisas chegam a tal extremo que se faz necessário alertar os parentes próximos para intervirem e interromperem esse processo prejudicial ao desenvolvimento infantil.

Drauzio - A bulimia é uma doença mais fácil de tratar?
Táki Cordás - A bulimia é doença mais heterogênea. Às vezes, aparece um caso de manifestação recente. É a história da menina que foi a um churrasco, comeu um pouquinho mais e deu uma vomitadinha. Você lhe explica, então, os riscos da doença e que essa brincadeira inconsequente pode transformar-se num vício difícil de superar. Casos leves resolvem-se em poucas consultas de orientação comportamental, mas há outros tão graves quanto os de anorexia nervosa que demandam tratamento mais longo. No geral, porém, pacientes com anorexia nervosa são muito mais difíceis de tratar.
Drauzio – O vômito da bulimia é sempre provocado ou a partir da criação de um reflexo pode aparecer espontaneamente?
Táki Cordás - Quando se vomita com frequência pode-se ter uma inversão dos movimentos peristálticos do esôfago que, em vez de fazer movimentos musculares na direção do estômago para conduzir a comida, os faz no sentido inverso. Algumas dessas moças afirmam que nem precisam enfiar o dedo ou a escova de dentes na garganta. Basta tomarem um pouco de água e apertar levemente a barriga que o vômito ocorre. Às vezes, é possível vomitar mesmo sem fazer força alguma.

Drauzio – Como fazer para que as pessoas controlem o peso sem cair nesses casos extremos?
Táki Cordás – Infelizmente, todos os trabalhos realizados no sentido de prevenir o problema falharam. Há várias razões para isso. Por exemplo, esta entrevista alertando sobre os problemas que essas doenças acarretam é uma gota d’água no oceano da propaganda que defende interesses comerciais milionários, associando seus produtos a ideais de magreza e sedução.
Estudos realizados nos Estados Unidos demonstraram que palestras sobre anorexia nervosa e bulimia proferidas nas escolas não ajudaram a diminuir a incidência dessas patologias entre os estudantes. Talvez adiantasse um programa permanente de orientação para pais e crianças, mas até o momento não se sabe o que realmente traria resultado satisfatório em termos de prevenção.

Drauzio – Qual a diferença entre bulimia e anorexia nervosas?
Táki Cordás – Na anorexia nervosa, o emagrecimento é muito acentuado. Para avaliá-lo, utiliza-se como parâmetro o IMC (índice de massa corpórea que é igual ao peso dividido pela altura ao quadrado). Na mulher, esse número deve variar entre 19 e 24 e nos homens, entre 20 e 25. Índices inferiores a 17 ou 17,5 indicam perda de peso importante. Pacientes com anorexia nervosa sempre apresentam peso abaixo do normal e recusam-se a alimentar-se adequadamente mesmo sabendo do risco que correm. Dedicam-se a atividades físicas exageradas, jejuam, vomitam, usam recursos purgativos e moderadores de apetite porque têm uma distorção grave da autoimagem. Uma moça esquálida, pesando 20kg, é capaz de sentir-se obesa e dizer: “Olha como meu quadril está enorme! Eu estou um elefante, preciso continuar emagrecendo!”. No Hospital das Clínicas, às vezes, aparecem pacientes que antes de qualquer atendimento psiquiátrico são mandados para a UTI, tal a gravidade do seu estado.
Na bulimia, os sintomas são diferentes. Não é a magreza que chama a atenção. Às vezes, são mulheres de corpo escultural que cuidam dele de maneira obsessiva. Passam o dia fazendo dieta. Vão a restaurantes e pedem somente uma salada. Se houver uma batatinha palha no prato, colocam-na de lado. No entanto, de uma hora para outra abrem a geladeira ou vão a uma confeitaria e comem tudo o que veem pela frente. Apesar de a ingesta normal do indivíduo variar entre 2000 Kcal e 2500 Kcal diárias, elas conseguem comer num único episódio de 5000 Kcal a 20000 Kcal de uma vez. Depois vomitam, vomitam muito. Algumas chegam a vomitar 5, 10, 15 vezes por dia para evitar o aumento de peso e provocam tantos vômitos que chegam a ferir os dedos.
Drauzio – Em geral, as mulheres tendem a ter uma visão distorcida da própria imagem, não é mesmo?
Táki Cordás – Alguns estudos mostram que certas mulheres de corpo escultural, verdadeiras capas de revista, estão insatisfeitas com o próprio corpo. Essa autoimagem distorcida é comum nas mulheres, mas não costuma ser tão grave que possa causar uma anorexia nervosa. Se fizéssemos uma pesquisa com ambos os sexos, verificaríamos que é muito maior a porcentagem de mulheres descontentes com o corpo do que a de homens e que a queixa aumenta no período pré-menstrual, ou naqueles em que estão mais irritadas, ansiosas ou deprimidas.
Drauzio – Normalmente quanto tempo leva um quadro desses para chegar à caquexia, isto é, a esse grau extremo de fraqueza e desnutrição?
Táki Cordás – Às vezes, é muito rápido, tão rápido que as famílias nem percebem o que está acontecendo, uma vez que as filhas costumam disfarçar a magreza exagerada vestindo roupas largas e uma peça sobre a outra. Além disso, passam mais tempo fora de casa e, quando voltam, dão a desculpa de que não querem comer porque já jantaram ou almoçaram em outro lugar. Os familiares, em geral, só descobrem o que está acontecendo meses depois que o problema está instalado porque alguém por acaso surpreende a moça trocando de roupa e vê quão esquelética ela se encontra. Recordo de uma mocinha que foi a um programa de televisão à procura de um médico porque ninguém conseguia diagnosticar seu caso. Levada de ambulância, deu entrada no Hospital Clínicas pesando 19kg. Era uma aula ambulante de anatomia óssea.

Drauzio – Quer dizer que a diferença básica entre as anoréxicas e as bulímicas é estado de caquexia a que podem chegar as anoréxicas e que algumas delas podem morrer porque não conseguem voltar a alimentar-se?
Táki Cordás – É verdade. O índice de mortalidade por anorexia nervosa atinge entre 15% e 20% dos casos. Eles estão associados a complicações clínicas ou a suicídios, pois a depressão é um distúrbio grave que pode manifestar-se no transcorrer dessa doença.

Drauzio – Esses quadros podem vir associados a outros quadros psiquiátricos como a cleptomania, por exemplo?
Táki Cordás - Exato. Sempre brinco com os residentes ou estagiários que para tratar de pessoas com distúrbio alimentar é preciso conhecer a psiquiatria inteira porque é frequente a associação dessa patologia à depressão, síndrome do pânico, comportamentos obsessivo-compulsivos, cleptomania, automutilação, promiscuidade sexual, alcoolismo e abuso de drogas. É raro encontrar um quadro isolado e todos as manifestações da doença precisam ser tratadas. Há uma foto da princesa da Suécia que andou circulando na imprensa e causou reboliço por causa de seu estado de magreza.
Drauzio – É interessante imaginar que pessoas tão magras como essas possam ter-se sentido gordas diante do espelho.

Drauzio – Em que faixa etária há a prevalência dessa patologia aumenta?
Táki Cordás – A faixa etária da prevalência da anorexia está baixando. Tenho encontrado meninas de 9 ou 10 anos com o problema o que era raro acontecer no passado. Na maioria, porém, os casos de anorexia nervosa despontam na adolescência e os de bulimia, em mulheres entre 20 e 30 anos.

Drauzio – Em que consiste a alimentação dessas pessoas?
Táki Cordás – Quando se alimenta, é só com água e café sem açúcar. Basicamente ingere 200Kcal por dia o que representa um gomo de laranja, uma bolacha cream-craker, uma fatia de ricota, grandes quantidades de chá laxante, muitas vezes diet, e cenoura. Tempos atrás, cuidei de uma garota que só comia pepino e cenoura. Enchia travessas desses vegetais, temperava com limão e sal diet, sem saber que tal classificação significa que esse sal tem menos sódio e é indicado para hipertensos e não para quem deseja emagrecer.

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