segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

(Lição 11) Álcool e Adolescência

Será que o álcool (como qualquer droga psicoativa legalizada) é “lobo em pele de cordeiro”?
Por José Antônio Zago

É importante ressaltar que não é necessário um indivíduo ser dependente de álcool para que possa apresentar transtornos relacionados ao álcool. Conforme Romelsjo, "Não existe consumo de álcool isento de riscos”. Há muito mais indivíduos não diagnosticados medicamente como alcoolistas, mas que consomem álcool de forma prejudicial à saúde.

Estudos epidemiológicos realizados no Brasil com estudantes de diferentes níveis de ensino revelaram alta prevalência de uso de substâncias psicoativas, principalmente as drogas lícitas. Entre universitários da cidade de São Paulo as drogas utilizadas alguma vez na vida em ordem decrescente foram o álcool, tabaco, inalantes, maconha, medicamentos prescritos e cocaína.

Estudo piloto com adolescentes usuários que buscaram atendimento ambulatorial mostrou que o uso de drogas se iniciou, em média, aos 11,67 anos com o consumo de álcool, o uso regular aos 13,22 anos, evoluindo para o uso do tabaco (12 anos), maconha (13,40 anos), inalantes (13,92 anos) cocaína via inalatória (14, 36 anos), crack (14,67 anos), alucinógenos (15,33 anos) e cocaína endovenosa (16 anos).

De acordo com dados do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID – www.cebrid.epm.br), pesquisa com estudantes de 1º e 2º Graus de 10 capitais brasileiras, 65% dos entrevistados afirmaram consumo de bebidas alcoólicas, dos quais 50% iniciaram o uso entre os 10 e 12 anos de idade (GALDURÓZ, NOTO & CARLINI, 1997).

A prevalência de casos de alcoolismo entre garotas tem aumentado, bem como o envolvimento em acidentes de carro quando embriagadas. Isso significa que vem ocorrendo uma mudança de comportamento na última década: as garotas têm mais liberdade para frequentar locais e eventos onde se consome bebida alcoólica antes mais restrito a adolescentes do sexo masculino, aprendendo, então, os mesmos comportamentos de consumo.

Por que adolescentes consomem bebidas alcoólicas
A adolescência é o período por excelência de risco para o ingresso no uso de substâncias psicoativas. Não só pelo fato de querer experienciar o novo, buscar novas emoções e desafios, mas também encontrar nessas novas buscas "respostas" para o seu viver. A sociedade, em seus diversos segmentos e o poder midiático influenciando o comportamento social, na maioria das vezes, apontam caminhos mais para a obtenção de objetos de consumo, menos preocupados então com respostas visando o crescimento interior.

No que se refere ao álcool, o problema é mais grave. Por ele estar tão próximo, tão acessível, deixa a impressão de que é semelhante a um animal doméstico que não causa mal algum. O álcool está inserido na cultura, presente nos lazeres e encontros adolescentes, presente dentro das casas, presente tanto na vida profana como no ritual religioso. Desse modo, consumir álcool pode parecer normal para o adolescente, sem muita censura ou orientação por parte dos pais.

Conforme estudo apresentado pela UNESCO, "estudantes começam a beber por curiosidade, pelo desejo de inserção social, para esquecer problemas e para `ter coragem' nas `paqueras'”.

Na elaboração de sua identidade o adolescente pode perceber que o álcool pode amenizar momentos de angústias e interferir na elaboração da busca do novo sentido de si mesmo, porém, esse amenizar, pode implicar num sentido de vida fragilizado. Geralmente, o adolescente percebe que quando consome álcool teoricamente as coisas ficam mais fáceis, contudo, não percebe que, inadvertidamente, pode transformar o consumo de álcool como parte da busca de seu sentido de vida e de ser-no-mundo, ou seja, tornar o consumo de álcool como ingrediente indispensável na elaboração de sua crise.

Embora seja conhecidos atualmente alguns fatores de risco e de proteção do adolescente em relação às substâncias psicoativas, é necessário enfatizar que além da disponibilidade e da propaganda, é fácil o acesso à bebida alcoólica pelos adolescentes, ou seja, a vulnerabilidade sócio-cultural ao álcool. Também, não é demais repetir um dado importante: não existe consumo de álcool sem risco, ou, não é necessário ser um alcoolista para se ter problemas com bebida alcoólica.

O adolescente “fraco” e o “forte” para a bebida alcoólica
Na adolescência, quando das primeiras experiências com a bebida alcoólica, há o adolescente fraco e o adolescente forte em relação ao álcool.
O adolescente fraco (sensível) para o beber é aquele que com uma ou duas doses de bebida alcoólica já se sente alterado e, ao mesmo tempo, pode passar mal com isso. Não consegue então beber mais que isso, porque não se sente bem. No dia seguinte ao uso ou ao abuso de álcool, o fraco para o beber não pode ver bebida alcoólica em sua frente. Sente os efeitos do álcool: mal estar, dor de cabeça, problemas abdominais, indisposição.

O adolescente forte (tolerante) para o beber é o que suporta beber quantias maiores sem muita alteração. Desenvolve também, com o aprendizado de beber, a tolerância comportamental, quer dizer, a capacidade de executar tarefas mesmo sob o efeito do álcool. É aquele que é enaltecido pela turma pelo fato de aguentar a beber. É o que ajuda a levar para a casa um colega que não passou bem com a bebida, isto é, o colega fraco para beber. No dia seguinte, o forte para o beber, mesmo sentido alguns efeitos do consumo de álcool do dia anterior, mostra disposição para beber novamente.

O fraco para beber, assim por sua sensibilidade, impõe-se um limite quanto à bebida. O forte não. Sempre está disposto a beber. E ao ser enaltecido pelo grupo de convivência como alguém que é forte para beber, já que a adolescência é um período de auto-afirmação, sente-se elogiado com isso, o que reforça seu comportamento de beber.
Constatamos que as pessoas em tratamento que desenvolveram um quadro de dependência de álcool - diagnosticados geralmente na vida adulta, portanto depois de anos e anos de uso e abuso de álcool - são os que na juventude mostraram tolerância ao álcool e por isso mantiveram o comportamento de aumentar cada vez mais o consumo de bebida até surgirem os sintomas de dependência do álcool e os problemas decorrentes: físicos, desorganização da vida, perdas ou ameaças de perdas, por exemplo emprego, separação conjugal, condutas agressivas, condutas irresponsáveis, entre outros.

Por que há adolescentes sensíveis ao álcool enquanto outros são tolerantes? É possível que a resposta esteja nas diferenças individuais quanto à vulnerabilidade biológica, isto é, do organismo ao álcool.
Ainda, um dado importante: o adolescente sensível ou o tolerante que, durante ou após o consumo de bebida alcoólica, apresenta alterações cognitivas, de humor ou comportamentais, causando preocupação aos colegas e ao ambiente, por exemplo, agressividade verbal ou física, prejuízo da crítica pessoal e social, perda da consciência, não terá no futuro um problema com o álcool, pois já o tem no presente.

Álcool – legal ou ilegal?
Embora o álcool seja uma droga legalizada e inserida na cultura, há restrições legais quanto à venda e o consumo de bebida alcoólica. A venda de bebida alcoólica é proibida para menores de 18 anos, ratificado pelo artigo 81 do ECA que proíbe a venda a menores de 18 anos "de substâncias com risco de criar dependência". E o decreto-lei 28.643, em vigor desde agosto de 1998, proíbe a comercialização de bebidas alcoólicas a menos de 100 metros dos estabelecimentos de ensino. Na prática sabemos que adolescentes consomem bebida alcoólica publicamente, sem que sejam obrigados, pelos locais de venda, a apresentar documento que comprove idade igual ou superior a 18 anos para que a bebida seja vendida.

Levantamento realizado pela Secretaria de Estado da Educação de São Paulo apontou que 48,9% das escolas da rede no interior paulista possuem bares a menos de 100 metros dos portões de entrada, seguida da Grande São Paulo (sem contar a capital) com 45,9% e da capital com 40%. O levantamento revelou ainda a existência de bares a mais de 100 metros de qualquer entrada de escola, porém no mesmo quarteirão das escolas em 34% dos estabelecimentos de ensino da capital, em 32,9% da Grande São Paulo e 28,5% do interior do Estado (SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO, 2002). Aqui cabe uma questão: se o fato de um traficante vender substâncias psicoativas ilegais nas portas das escolas provoca indignação e até denúncia, então por que encaramos com normalidade o comércio ilícito de bebidas alcoólicas no entorno das escolas? O álcool, como já apontado, embora seja a última droga a apresentar problemas, geralmente é a primeira de acesso.

Também, a falta de uma política adequada de controle à propaganda maciça de bebidas alcoólicas pelos meios de comunicação social, geralmente associada aos "bons momentos da vida, e a facilidade de obter o produto, quer pela disponibilidade e variedade, quer pelo baixo preço, torna o álcool uma droga atrativa, acessível e presente nas mais diversas formas de entretenimento do universo da juventude.

Além disso, tanto as famílias quanto a sociedade aceitam com certa naturalidade um adolescente consumir alcoólicos. Alguma censura pode ocorrer em caso de algum abuso por parte desse adolescente, contudo, de forma geral, o uso de bebida alcoólica por jovens é comum e tolerada na vida familiar, em momentos de comemorações, na convivência grupal, etc.

Se, de um lado, para considerável parcela de adolescentes, como qualquer outra substância psicoativa, além do apelo da propaganda, o álcool tem seu poder de atração, por outro não tem a força de censura atribuída às substâncias ilegais, dado que o uso do álcool, na prática, é livre. Isso significa que um adolescente pode beber alcoólicos sem a culpa de estar cometendo uma transgressão (que na realidade está) como poderia sentir se consumisse alguma droga ilícita. Se consumir determinada droga ilícita, o adolescente fará isso de forma velada a fim de não se expor, pois sabe que estará transgredindo a lei ou ao menos emitindo um comportamento passível de repreensão ou censura.

Se os familiares descobrem ou são informados de que o filho ou filha adolescente está fazendo uso de uma droga ilícita, por exemplo, a maconha, os pais, de uma maneira ou de outra, iniciam um processo de trabalhar a questão. Esse modo de trabalhar a questão varia muito, desde a desconfiança, sondagem e interrogatório até a frustração ou formas claras de explosão, raiva ou violência. A droga ilícita, provavelmente por tal caráter e pela censura que desperta na sociedade, desencadeia um pânico na família, quando as pessoas próximas do usuário estabelecem uma resistência criando um conflito. Ou seja, o uso de uma droga ilícita simplesmente não é aceito de forma natural por aqueles que convivem com o usuário. Com o álcool, dado seu caráter legal e de estar inserido na cultura, tal síndrome de alarme não ocorre. Portanto, a bebida alcoólica, além de seu poder atrativo, não contém poder de censura.

O álcool, como qualquer droga psicoativa legalizada, é lobo em pele de cordeiro.

Autor
José Antônio Zago
Psicólogo do Instituto Bairral de Psiquiatria - Itapira - SP
Mestre em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba.

Extraído e resumido de:
Álcool e Adolescência – artigos I a VIII

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